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30 junho 2007

Alteração à Lei dos Transplantes

Saiu ontem no Diário da República a Lei n.º 22/2007 que "transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2004/23/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, alterando a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, relativa à colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana".

O surgimento deste diploma vem permitir uma grande mudança na saúde em Portugal, nomeadamente para os doentes que necessitam de um transplante de tecido não regenerável.
Na original Lei n. 12/93, Capítulo II, Art.º 6.º, podia ler-se: "2 - Pode admitir-se a dádiva de órgãos ou substâncias não regeneráveis quando houver entre dador e receptor relação de parentesco até ao 3.º grau". Ou seja, o transplante de dador vivo só podia ser realizado entre familiares próximos, não sendo este permitido entre casais.

No entanto, na nova lei, Capítulo II, Art.º 6.º pode ler-se:
2—A colheita de órgãos e tecidos de uma pessoa viva só pode ser feita no interesse terapêutico do receptor e desde que não esteja disponível qualquer órgão ou tecido adequado colhido de dador post mortem e não exista outro método terapêutico alternativo de eficácia
comparável.
3—No caso de dádiva e colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis, a respectiva admissibilidade fica dependente de parecer favorável, emitido pela Entidade
de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA).

Isto significa que o transplante de órgãos e tecidos não regeneráveis em vida passa a ser possível entre quaisquer indivíduos, desde que seja gratuito, exista consentimento de ambos, o dador não seja menor, o processo seja do interesse terapêutico e se mostre como "último recurso" do receptor, não possa causar danos ao dador e depois de aprovado pela EVA.

Esta mudança, desde há muito aguardada, provoca em mim grande satisfação e alguma apreensão.
Por um lado, apraz-me saber que a dádiva voluntária de um órgão entre dois adultos devidamente informados e capazes passa a ser permitida sem grandes restrições, o que irá diminuir as listas de espera e a angústia de milhares de doentes que não têm familiares próximos de quem possam receber o órgão que necessitam e que até agora não podiam recorrer ao cônjuge.

Por outro lado, não consigo deixar de pensar em algumas implicações desta mudança:
- Tráfico de órgãos ou realização de falsos casamentos unicamente para obtenção de um órgão a troco de dinheiro ou nacionalidade portuguesa;
É relevante dizer que, até certo ponto, a Lei salvaguarda esta questão, através do seguinte item: "A dádiva e a colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis, que envolvam estrangeiros sem residência permanente em Portugal, só podem ser feitas mediante autorização judicial." No entanto, sabemos a capacidade que o ser humano tem para fingir, especialmente quando se encontra sob algum tipo de coerção.
- Maior probabilidade de rejeição do tecido transplantado, relativamente à doação entre irmãos ou pais e filhos, com consequente dificuldade acrescida na aceitação, pelo organismo, de um segundo transplante;
- Falta de informação dada ao dador e receptor que, na compreensível ânsia de acelerar o processo, não ponderam o processo de doação e as suas implicações físicas e relacionais de forma adequada, o que leva por vezes a processos de rejeição provocados por factores emocionais e ao surgimento de problemáticas psicológicas graves após o transplante.
- Pela quantidade de factores envolvidos, a avaliação do processo por parte da EVA poderá levar demasiado tempo a ser concluída e atrasar ainda mais os transplantes, aumentando as listas de espera.

Ponderando vantagens e perigos, continuo a considerar esta alteração positiva. Só espero que se tomem as precauções necessárias para que esta seja uma verdadeira evolução na saúde em Portugal.

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